sexta-feira, 30 de julho de 2010

O EGO E O LAGO - Djalma Filho


O EGO E O LAGO
(Djalma Filho)

deja
de(se)ja
deja

a imagem do lago
assim me disse

deja
de(se)ja
deja

e

enquanto meu reflexo
repetidamente
respondia

deja
de(se)ja
deja

corri
imediato pra casa
quebrei todos os aquários
suicidei quase todos os espelhos.

calei
o eu do meu ego
e o eu do lago

deja
de(se)ja
deja

jamais!





NARCISO E NARCISO - Ferreira Gullar




NARCISO E NARCISO

(Ferreira Gullar)

Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.

Para Narciso
o olhar do outro, a voz
do outro, o corpo
é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é
como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que o admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade.

Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele
é fingimento.
E fingem mais
os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.

O espelho
embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
é ver que o admiravam de mentira.


quadro: metamorfose de Narciso - Salvador Dali





TRÊS VEZES NARCISO - Djalma Filho


TRÊS VEZES NARCISO
(Djalma Filho)

Eu,
o meu Eu,
e o meu Espelho.



sábado, 17 de julho de 2010

POEMA À BOCA FECHADA - José Saramago




Poema à boca fechada
(José Saramago)

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.





DEMOCRACIA - Djalma Filho


DEMOCRACIA
(Djalma Filho)

quem se atreve a dizer:
- Gosto do verde!...
se
arrisca a
ouvir:
- Prefiro o azul!...

[opiniões e cores, as respeito]

como respeito
os que não respeitam
a minha antipatia pelo verde,
a minha urticária ao azul!...

mas
se alguém além de quem se atreveu a gostar do verde
palpitar:
- Magnífico, só o lilás!...

ao arco-íris irei
contar ao abóbora, ao alizarim, ao carmesim, ao laranja, ao rosa,
a todos os vizinhos do vermelho,
enfim,
da minha irrefutável paixão pelo amarelo!...