domingo, 12 de setembro de 2010

O VAPOR DE CACHOEIRA NÃO NAVEGA MAIS NO MAR (Djalma Filho)


O VAPOR DE CACHOEIRA NÃO NAVEGA MAIS NO MAR
(Djalma Filho)
                   
                urina de ratos
                    - a escorrer -
            por entre as pedras portuguesas

        [redondas quais cabeças de frade]


            - Sorria, você está na Bahia!
           
[o mosteiro de São Francisco é logo ali]

                            onde,
                    por entre pedras portuguesas,
                        escorre urina de ratos
                        - incessantemente

[o mosteiro de São Francisco é logo ali]
   
                            onde,
                        todas as terças-feiras,
            quentinho, sai o pão que o diabo amassou
                            e,
                            onde,
na nave da igreja, só fica a quem Deus já esconjurou
               
                    [Ogunhê!]

            - Sorria, você está na Bahia!

[o mosteiro de São Francisco é logo ali]

                            onde,
                        perto, bem perto,
                                dizem
                    do negro liberto,
                        do filho de escravo,
                            do branco sem paz
                                que,
                no colo de Oxalá, preto virou

                    [Atôtô!]

            - Sorria, você está na Bahia!

                            onde,
tudo é belo,
                        todos são belos
                - talqualzinho à Oxum Docô!

[o mosteiro de São Francisco é logo ali]
                                
                            onde,
                    putas moças, putas velhas,
                sobre batentes, sobre esgotos,
                    de peitos de fora,
procuram quem lhes queiram fazer um neném

            - Sorria, você está na Bahia!

[o mosteiro de São Francisco é logo ali]

                            onde
    ainda escorre urina de ratos por entre as pedras portuguesas

                        [olha o afoxé!]

                    Vambora, Bahia -
                qualquer, o seu estado...


Nota do autor: Meses antes de ir para Guaíba, fui ao Pelourinho. Lá, eu vi uma Bahia triste, com suas praças sem artistas e suas ruas entregue aos traficantes, às prostitutas, aos meliantes... Numa situação não muito diferente daquela Bahia de alguns anos atrás, quando se cogitava até na queima dos casarios históricos e ruídos do seu centro... Uma Bahia triste, onde urina de ratos e de homens se misturava e rolava ladeira abaixo, pelas pedras portuguesas. Voltamos à Triste Bahia - quem não ama sua terra, não pode jamais governá-la.
            Guaíba, 12 de setembro de 2010





3 comentários:

  1. Esse poema gerou uma onda gigante de aplausos, Deja. BRAVO!__Kathleen

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  2. Ó Deja, que pena! Então está como da primeria vez que visitei Salvador. Desolador. Já quando a visitei da segunda vez, passeei pelo Pelourinho, reformulado, posso até dizer perfumado, limpo, lindo, lindo, amei. Fiquei triste quando tive que deixar Salvador. E agora dizes que está de novo em decadência. Sinto tanto. É triste. Abrs. Mardilê

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  3. Verdade mesmo Djalma,mas a verdade maior é que ningúem governa a Bahia de fato, é tanta poeira que ninguém vê autoridade, só ouve os atchim!
    N'est Pas monsieur chevalier?

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