No início deste mês –
dia nove, mais precisamente –, a Igreja Católica Apostólica Romana perde um dos
seus baluartes: o Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro, Cardeal Dom Eugênio de
Araújo Sales.
Em 1965, ele tornou-se
administrador apostólico da Arquidiocese de Salvador e, quatro anos depois, foi
nomeado pelo então papa Paulo VI, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil. Em
Salvador, Dom Eugênio criou as Comunidades Eclesiais de Base, a Campanha da
Fraternidade e o Movimento de Educação de Base.
Em setembro de 1970,
uma declaração do arcebispo num programa da Rádio Cultura da Bahia de nome “A
Fala do Cardeal”, encheu de perplexidade muitos brasileiros – nela, ele
alertava os fiéis da sua diocese contra a TFP (Sociedade Brasileira de Defesa
da Tradição, Família e Propriedade) e se posicionava perante o problema do
comunismo e do antocomunismo no meio católico.
(leiam a transcrição da declaração)
“[...]
Devem estar alertas, os católicos desta Arquidiocese, com o movimento
denominado Tradição, Família e Propriedade. Não conta com a aprovação e
qualquer apoio da Arquidiocese. Pelo contrário. Tem a reprovação do Cardeal
Arcebispo.
Meus
prezados radiouvintes. Em sua audiência pública de 15 de julho último, o Papa
Paulo VI, referindo-se a este período pós-conciliar, nos admoesta: “É preciso
vigiar”. E ainda na mesma ocasião, nos afirma: “Esta fidelidade à Igreja, bem o
sabeis, hoje é traída por muitas pessoas, discutida, interpretada
subversivamente e minimizada”. O mesmo se pode dizer em relação à segunda
conferência geral do Episcopado Latino-americano, realizada em Medellín. Ora
esse magnífico documento “Presença da Igreja na atual transformação da América
Latina” é retirado do seu contexto religioso e reduzido a meras dimensões
econômicas, sociológicas ou políticas; ora determinadas expressões isoladas são
apresentadas como linhas determinantes ou regras de ação, oriundas dessa
notável assembléia do Episcopado Latino-Americano; ou ainda, o que é mais
grave, esse documento é explicado, divulgado dentro de categorias marxistas,
especialmente o que se refere à justiça e paz, com reflexos na própria
catequese, que para alguns passa a ser inspirada e elaborada à luz de Marx e
não de Jesus Cristo.
Meus
prezados radiouvintes, vivemos num período de transição. É realmente louvável a
busca de novos caminhos, que levem a massa de nosso continente, e em particular
a do Brasil, à pregação evangelizadora e abram perspectivas ao conhecimento e
vivência da Boa Nova. Constitui, entretanto, nefando pecado sacrificar a pureza
da doutrina a pretexto, aliás falso pretexto, de facilitar a aceitação por
parte de quem deve receber a mensagem. É certo, de um lado, que há uma fobia de
comunismo, que não é raro constatar-se que este espantalho é utilizado para
fins escusos, inclusive o de impedir as legítimas e necessárias transformações
sociais, ou intitular de marxismo o que é o Evangelho autenticamente
interpretado. Devemos, entretanto, reconhecer também que existe um esforço
inteligente e organizado de difundir a doutrina marxista, utilizando todos os
meios, inclusive ilícitos, como a interpretação errônea do documento de
Medellín, acima citado.
A
teologia da libertação anunciando o Cristo ressuscitado, vencedor da morte,
libertando-nos da cadeia do pecado, pode ser amesquinhada e traída quando, a
pretexto de salvar os homens das injustiças sociais, fica reduzida a uma mera
visão marxista da vida. O mesmo se diga de um esforço de conscientização na
base somente de uma visão “oprimido e opressor”. É uma traição ao Evangelho
tentar divulgá-lo como uma luta de classes e do ódio entre os homens. Não
devemos ter medo do comunismo se não formos ingênuos na aceitação de princípios
ou métodos que jamais poderão denominar-se de evangélicos.
Meus
prezados radiouvintes. O Santo Padre, na Alocução acima referida, nos adverte:
“É preciso vigiar”. Nesses dias se faz necessário, de uma maneira especial,
nossa adesão inabalável a uma autêntica mensagem do Evangelho de Jesus Cristo.
Jamais poderemos recorrer ao marxismo para difundir Jesus Cristo. Seria uma
aberração inconcebível. Necessário também se faz uma ação corajosa para
impedir, custe o que custar, a deturpação de documentos do porte e valor das
conclusões de Medellín, caminho aberto à redenção espiritual e social deste
continente”.
Dom Eugênio Sales
(Arcebispo Primaz do Brasil)
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