segunda-feira, 28 de junho de 2010

A COLHER - Djalma Filho


A COLHER
(Djalma Filho)


co'aquela colher de pedreiro,
chuleei,
pintei e bordei,
fiz arte
[...]
abracei Maria,
construí Maria,
reboquei Maria
e Brasis

[!]

aconteci
de um pai pedreiro
e de uma mãe gasta pela casa construída
- a gosto

[...]

também pedreiro,
fui aumentando o mundo, de casas,
até descobrir
[a cada casa finda]
que lares continuavam,
que cidades continuavam,
que Brasis continuavam

[...]

um dia,
numa bicicleta comprada à prestação
[sete reais cada mês]
ganhei o mundo

[!]

no selim,
a mesma colher de pedreiro
[me dada por um Deus enciumado]
por ter aprendido
[Dele]
a arte de construir
casas,
Marias
e Brasis
melhor, bem melhor que Ele

[!]

cansado de ir achando o mundo
parei
para tomar um trago,
voltado
[pernas pra que te quero]
haviam roubado as minhas mãos do selim da bicicleta

[!]

e procurei a minha colher de pedreiro até o fim
do mundo

[...]

Deus estava vingado

[!]

eu,
que pensava que as cidades acabavam
na última curva da estrada,
que imaginava o fim da terra
ao primeiro sinal de mar,
descobri que no mundo não há uma Maria igual à Maria
que abracei,
que construí,
que reboquei

[!]

por onde anda aquela colher de pedreiro
[?]
onde estão as minhas mãos
[?]

como construir mais casas,
como construir mais Marias
como construir mais Brasis
[?]

aqui,
no meio do mundo,
pedreiro hei de ficar
ah, que saudade danada da casa que construí
para lar

[!]

não irei mais acenar,
precário
de extremidades de braços:
falta-me a colher de pedreiro
nas mãos

[!]


Nota do autor: Encontrei Ody - pedreiro de vocabulário vasto e com fome de leitura - num domingo, pela manhã, injuriado: haviam lhe roubado a sua colher de pedreiro. Contou-me. Assim, aproveitei-me, descaradamente da história.

2 comentários:

  1. Muito bem feito, parabéns, Djalma.

    Conceição

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  2. Maravilhosa "viagem".
    Parabéns pelo belo espaço.
    Abraço,
    Marcelo marinho.

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