O NÃO IDO
(Djalma Filho)
se eu morresse hoje,
até teria algum sentido o meu vivido,
mas,
se há dez anos eu me fosse,
[garanto-lhes]
seria extraordinário o meu ido!...
apesar de um deslizezinho aqui e uma escorregadela ali,
me diriam impecável
[impecabilíssimo]
eu, que tanto cometi provas à carne,
ao prato, ao cofre, ao belo,
à cama,
retumbantemente, daria um grande passo à minha santidade,
se morrido
melhor um vivo imperfeito que um morto arrependido;
por isso,
só irei após extenuadamente pecado!..
se há dez anos atrás, eu, morrido,
diria àquele que perdeu a noite enquanto me preparava loas,
que ele gastou seu latinório por um pecador de nada,
que sempre vi nele uma cara de pêndulo!...
um bom orador - se amigo,
nessa hora, se cala
as minhas ex-mulheres diriam que eu jamais houve falhado:
um exemplo de perseverança, caráter e virilidade!...
[elas, que tanto me quiseram o fígado]
o prefeito da cidade seria acionado para que meu nome fosse rua,
praça
[melhor, galeria de arte]
e todos os alunos das classes me teriam como exemplo!...
[eu, que não passei da quarta página d'A Ilustre Casa de Ramirez!...]
seria - fato -
um grande acontecimento,
se eu morresse há dez anos passados:
o Carlinhos desentocaria uma esquecida poesia minha
e a percussionaria no arrastão quase pagão da quarta-feira de cinzas,
em pleno circuito Dodô!...
[de nada valeria]
pois,
minha mãe não iria ter a sua obra completada,
meus amigos, a minha companhia,
e meus filhos, mais à mim!...
hoje - se eu fosse morrer -,
iria maiúsculo, com a experiência dos vividos,
mas me recusaria, peremptoriamente, a dar de graça a toalha!...
o meu vivido, até na morte,
há de ter algum sentido
se há dez anos, morrido,
iria perfeito...
mas
- como na morte há um sentido além da imagem do cadáver maquiado -
iria insatisfeito,
sem fala,
pois
o morto é o único ser vivo incapaz de replicas!...
na verdade me espanta ver-te amiúde tocar em temas dantes 'não vistos' [por mim]; - título te trouxe de volta -Ave, reflexão!
ResponderExcluirbeijo
El